Esse texto faz parte do Visão de Dentro, seção da Stepps News em que a cada edição um convidado diferente escreve sobre o ramo de indústria no qual atua, trazendo insights e conhecimentos relevantes.
Por Thiago Donato — Sócio da Ettica Trading e Consultor.
Desde o início desta crise na saúde, que também se tornou uma crise econômica, o Brasil vem mostrando toda a sua fragilidade e posição desfavorável de produção e consumo. É fato que estamos vendo os impactos desta pandemia ao redor de todo o mundo, com variadas consequências, tendo a sua intensidade influenciada por fatores como a elevada faixa etária, a desigualdade social e a estratégia de isolamento adotada, por exemplo. Além disso, os impactos e projeções vêm sendo as mais diversas, já que estamos diante de algo novo e que provoca tamanha incerteza. A queda das principais Bolsas de Valores no mundo e a previsão pelo FMI de que a economia global deve enfrentar o pior desempenho desde a Grande Depressão de 1929, são exemplos de que estamos vivendo um problema global. Por outro lado, alguns destes reflexos têm menor ou maior proporção de acordo com aspectos econômicos e estruturais individuais de cada país, e é neste ponto que a nossa dependência dos agentes externos vem sendo evidenciada de forma clara e preocupante, pois são inúmeros os impactos que o nosso comércio internacional e a nossa indústria estão sofrendo.
A redução a zero (de forma temporária) da alíquota do Imposto de Importação (II), a priorização do despacho aduaneiro nas importações e a proibição das exportações de itens de combate à Covid-19, são ações que vêm sendo tomadas pelo governo, visando facilitar e garantir o abastecimento do mercado por materiais de combate à pandemia. Porém, a falta de luvas, aventais, óculos de proteção, máscaras, protetores faciais, ventiladores pulmonares, dentre outros, vem mostrando que ainda temos muito o que fazer.
Também estamos sofrendo com problemas estruturais que afetam a nossa capacidade de produção. Com diversas indústrias chinesas paralisadas ou com produção desacelerada, somadas ao enrijecimento das restrições com os navios que chegam por lá, embarques estão sendo atrasados e cancelados, fazendo com que a oferta de produtos para exportação caia significativamente.
Tudo isso gera uma escassez no fornecimento, criando um ambiente de corrida e disputa por “quem dá mais”. Com isso, os fornecedores vêm impondo as suas condições de venda, exigindo as informações do comprador final, o que dificulta o trabalho das empresas que fazem as intermediações que, na grande maioria, são facilitadores do comércio exterior. Vêm também condicionando o pedido ao pagamento 100% antecipado e sujeitando os compradores a longas filas de espera. Todo este desequilíbrio na relação entre oferta e demanda provoca uma insegurança de abastecimento, além de uma alta volatilidade dos preços. E nesta guerra comercial, a balança pesa negativamente para o nosso lado!
Alguns dos contratos de compra vêm sendo quebrados por escolha dos próprios fornecedores. Como eles recebem ofertas maiores de outros compradores e não possuem relacionamento de longo prazo com os nossos, passam a optar pelo o descumprimento dos prazos previamente acordados, priorizando pedidos de maior valor financeiro, ou até mesmo fazendo o cancelamento da venda, pois, mesmo com o risco de eventual pagamento de multa por quebra contratual, aqueles novos pedidos são mais rentáveis.
Este cenário de disputa vem sendo tão crítico, que já tivemos casos de acusação de pirataria, onde compradores americanos estavam abordando aviões com mercadorias destinadas a outros países, na pista de alguns aeroportos. Ou seja, nesta guerra, quem tem mais recursos financeiros vence cada batalha!
Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/mundo/eua-acusados-comprar-insumos-emergencia-outros-paises/
E como não é o nosso caso, por termos uma economia fragilizada e uma moeda desvalorizada, sofremos as consequências com a falta de insumos produtivos no abastecimento da nossa indústria, afetando setores variados como o de eletroeletrônicos e automotivo, por exemplo. E no âmbito da saúde, o sistema público e o privado vêm tendo toda a dificuldade de acesso aos materiais de combate à pandemia, como citado anteriormente.
Como sempre procuro enxergar aspectos positivos, entendo que podemos encarar como oportunidade o fato de que toda essa dificuldade que estamos vivendo trouxe a necessidade emergencial do senso coletivo e de adaptação. Diversos grupos empresariais e da sociedade civil estão se unindo, em pequenas e grandes proporções, mas todas com grande importância. Muitas indústrias fizeram ajustes nas suas linhas de produção e passaram a produzir itens de combate ao vírus, assim ajudando o nosso sistema de saúde e a nossa economia ao mesmo tempo, já que trabalhadores estão atuando diretamente naquela produção. Como exemplos, temos indústrias do setor têxtil produzindo máscaras e aventais; indústrias de bebidas e farmacêuticas produzindo álcool em gel; indústria especializada em ventilação pulmonar, que em parceria com indústrias de outros setores (papel e celulose, automotivo e de componentes eletrônicos), está produzindo respiradores. Estamos vendo também um momento positivo para startups que possuem soluções relacionadas à saúde, pois estão tendo oportunidade de apresentar os seus projetos ao Ministério da Saúde e a grupos privados de Venture Capital, captando recursos, visando estruturação e escala.
Ministério da Saúde adquire 6,5 mil respiradores fabricados no Brasil
Todo este movimento que vem acontecendo traz uma expectativa de que sim, temos a capacidade de diminuir a nossa dependência externa. Se melhorarmos a nossa estrutura produtiva, através da união esforços entre o público e o privado, realizando investimentos estruturais e tecnológicos (pesquisa e desenvolvimento), agregaremos valor à nossa indústria e ampliaremos a nossa autossuficiência. O nosso desafio é mantermos essa atitude, fazendo com que este legado seja encarado como um divisor de águas para a nossa recuperação e crescimento econômico.
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